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Decidir o mais tarde possível

Decidir o mais tarde possível. Em 2020 descobri que este é um dos princípios da filosofia Lean. Ainda não havia tido tempo de criar um entendimento sobre ele e para mim isso era igual procrastinar.

Se hoje tenho um melhor entendimento do assunto, eu não sei dizer. Sei, porém, que pude comprovar sua eficácia logo no começo do ano de forma extrema. E preciso tirar alguma lição disso.

Minha forma de agir geralmente envolve avaliar cenários e adotar o mote: planejar para o pior e esperar o melhor. Estar sempre preparado. Mas a natureza nos levou para uma experiência mais elevada.

Logo em janeiro, nosso segundo filho nasceu. Durante toda a gravidez, sofremos de ansiedade e preocupação. Precisávamos saber onde ficaria nosso primeiro filho durante o parto e após as primeiras horas do bebê. Como muitos sabem, trabalho de parto normal não tem data nem hora para começar. E nem para terminar.

Quando o primeiro filho está para chegar, esta preocupação nem existe. Quando chegar, chegou. E pronto.

Longe da família, dos amigos e num país de língua desconhecida para nós. Ficamos todos no hospital? Sim, era possível, mas quem ficaria com o menino durante o trabalho de parto? Eu, claro. Mas ele não ficaria assustado e cansado com o ambiente do hospital e vendo a mãe sofrer com a dores? E a mãe ficaria sozinha nestes momentos tão preciosos?

Outra opção: ficamos todos em casa. Na hora certa levamos a mãe para o hospital e votamos para casa para esperar a boa notícia. Mas de novo, como ela ficaria lá sozinha, em um país ainda estranho, com idioma estranho?

Testamos uma babá. Mas sentimos que não era correto deixar o miúdo com alguém fora do convívio diário. Também havia a questão das disponibilidades de datas e horas. Poderia ser daqui uma semana, duas semanas, ou hoje! Quando fosse a hora, precisaríamos de ajuda em poucas horas.

Acabamos por não decidir nada. Foi aqui então que experimentamos o princípio citado no começo deste texto: Decidir o mais tarde possível. Duas horas após voltarmos do hospital de um “alarme falso”, o bebê decide nascer. E rápido. Ele acabou por decidir tudo por nós.

Ainda sinto o frio na barriga quando me lembro quando coloquei o mais velho na cama dele, após voltarmos da garagem, onde perceber que ir para o hospital já não era mais possível.

Disse a ele com a voz mais tranquila que podia naquele momento:

– Olha filhão, o papai agora vai precisar ficar com a mamãe. Está tudo bem, mas preciso que você se deite e durma.

Lembro de fechar a porta do quarto e vê-lo ainda sentado na cama, com cara de que não estava entendendo nada. O que está acontecendo com a minha mãe? Por que ela não vem me colocar para dormir, como todos os dia?

Assim que fechei a porta, esperei alguns segundos, certo de que teria que criar um segundo plano. Mas nada disso foi necessário. O garoto ficou dormindo como um anjo durante toda a noite.

Três minutos depois, a ambulância com os socorristas chegaram. Minha esposa teve todas as dores do parto (sem anestesia). Eu falei pelo telefone e depois por toda a casa com os socorristas. Eles falaram entre si. O bebê nasceu e chorou. Nós choramos. Tiramos fotos.

Eles foram todos de volta para o Hospital. Ficamos eu e ele. Limpei a casa e recolhi tudo, para deixar tudo como estava. Durante todo este tempo, fui apenas uma vez conferir como ele estava e deixar um abajur ligado.

Na manhã seguinte, por volta das 6:00, estava dormindo no meu quarto, quando acordei com os passos dele chegando ao meu lado. Após alguns instantes fez a pergunta esperada:

– Papai, cadê a mamãe?

Até este dia eles não haviam passado mais do que uma hora distantes um do outro. Eu respondi (com medo da reação):

– Bom dia filho! A mamãe está no Hospital com o seu irmão. Logo vamos para lá conhece-lo.

Ele não disse nada. Entrou debaixo das cobertas junto comigo e dormiu por mais uns 30 minutos. É indescritível a sensação de paz que tive naquele momento. Todas as preocupações, planos e cenários previstos viraram pó e deram lugar a uma história linda, que compartilho um pedacinho aqui neste texto.

Naquela noite, ficamos todos muito mais fortes. Agora, podemos tudo!

Feliz 2021!

Written on December 16, 2020